
A questão da legalização do aborto tem tudo a ver com os papeis sociais estabelecidos para cada sexo.
Da mulher se espera contenção, subordinação e práticas convencionais. No imaginário popular, a 'boa moça', de trajes adequados, gestos contidos, parceiros limitados, experiências restritas é o padrão socialmente construído e estabilizado no inconsciente coletivo.
A mulher criada para ser mãe, cujo “instinto materno” é incutido e reforçado desde a infância, de forma sutil e reiterada.
Das brincadeiras com bonecas e casinha, o dispositivo materno é acionado a todo momento, tornando-se condição de validação das mulheres.
O maior entrave à descriminalização do aborto não é a defesa da vida do feto.
O grande obstáculo é perder o controle sobre a sexualidade, corpo e destino das mulheres, pois a descriminalização significa admitir o mesmo comportamento sexual para homens e mulheres; permite a mulher escolher, como, quando e SE irá exercer a maternidade, retirando de nós a obrigatoriedade de gestar para ser completa.
A descriminalização significa escolha, a mesma que é dada aos homens, todos os dias, quando escolhem não exercer a paternidade, não pagar pensão, não conviver com os filhos.
Significa que milhares de mulheres – sobretudo pobres -não precisarão morrer em clínicas clandestinas na realização de procedimento.
Descriminalizar o aborto permite tirar o privilégio de classe que marca o procedimento, já que mulheres abastadas podem realiza-lo de forma segura e discreta.
Significa, por fim, acolher uma mulher que sofre e falar sobre o porquê aquela gravidez é indesejada, sem responsabilizá-la sozinha por algo que foi feito a dois.